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Ciência e Tecnologia em 2001

Renato Sabbatini

Embora tenha sido um ano terrível para a humanidade em geral, devido aos atentados de setembro e à guerra no Afganistão, 2001 ficará na história da ciência e da tecnologia por algumas descobertas e invenções realmente notáveis. Como costumo fazer em todo final do ano, apresentarei aqui quais foram as mais importantes, e seu impacto sobre nossas vidas nos próximos anos.
 
Em física e astronomia, uma descoberta e duas missões exploratórias espaciais chamaram muito a atenção da mídia, e com razão. A primeira foi um método desenvolvido por duas equipes independentes de cientistas para zerar a velocidade da luz. Embora a luz se mova no vácuo à velocidade aproximada de 300 mil km/h, se um feixe de luz gerado por um laser for forçado a passar no meio de uma nuvem de átomos congelada a zero graus Kelvin (cerca de -273 graus C), todo o movimento molecular cessa, e o índice de refração fica praticamente infinito. Com isso, a luz pára, e recomeça novamente seu caminho se a temperatura for aumentada com outro tiro de laser. Essa descoberta será extremamente importante para o desenvolvimento de um novo tipo de computador molecular quântico, totalmente diferente dos atuais, e que será bilhões de vezes mais rápido.

Em astronomia, além da descoberta de um sistema planetário muito parecido com o nosso (o primeiro a ser detectado com planetas menores do que Júpiter e a uma distância razoável da estrela, permitindo o desenvolvimento da vida), a maior notícia do ano foi a primeira aterrisagem na história de uma sonda espacial em um asteróide. Chamado de NEAR (Near Earth Asteroid Rendezvous), ele conseguiu fotografar de perto e descer em fevereiro na superfície do asteróide Eros 433, que fica a 320 milhões de quilômetros da Terra. Os asteróides de órbita próxima da Terra são muito perigosos, por isso onhecê-los melhor é essencial. Outra vitória da NASA em 2001 foi a missão de sucesso do Mars Odyssey, uma nova astronave automática que já está fotografando todo o planeta Marte em busca de água e sinais de vida.

Foto do asteróide Eros 433 e visão artística da sonda Mars Odyssey

Em tecnologia aconteceu muita coisa interessante durante o ano, mas as maiores atenções se voltaram para dois desenvolvimentos muito importantes na área de computadores moleculares, que constituirão a próxima geração de máquinas, superminiaturizadas e supervelozes, pois os seus componentes terão poucos átomos de tamanho. Pesquisadores holandeses desenvolveram o primeiro transistor à temperatura ambiente capaz de trabalhar com uma corrente de um elétron, apenas. Eles fabricaram um tubo molecular de um nanômetro de largura e 20 nanômetros de comprimento (um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro). Por outro lado, em uma notável façanha de engenharia, pesquisadores da IBM conseguiram montar um circuito de computador usando um nanotubo desse tipo. O circuito é capaz de fazer uma operação lógica que é essencial para determinados tipos de computação. Se tudo continuar a dar certo, os nanotubos são os candidatos para substituir os atuais circuitos eletrônicos integrados, que deverão atingir seu limite de miniaturização dentro de 10 anos.

Nanotubo

Em biologia e medicina as novidades também foram muitas. O maior alarde foi feito em outubro, por uma empresa chamada Advanced Cell Technologies, que alarmou o mundo ao anunciar que tinha feito a primeira clonagem experimental humana. Os embriões gerados pela técnica não se desenvolveram além dos primeiros estágios, de modo que a maioria dos cientistas considerou o experimento um fracasso e uma tentativa de propaganda da ACP. Entretanto, líderes mundiais conservadores, como o Papa e o presidente Bush, se apressaram mais uma vez a condenar a idéia da clonagem humana. Por outro lado, cientistas da Oregon Health Sciences University foram os primeiros do mundo a produzir o primeiro primata geneticamente modificado. O chimpanzé, batizado de ANDi, recebeu, quando ainda era embrião, um gene que produz fluorescência em uma proteína corporal, apenas para ver se tinha funcionado. Funcionou, e a tecnologia desenvolvida abre portas para novas formas de terapia gênica em seres humanos. O mesmo grupo, em janeiro de 2000, tinha conseguido produzir os primeiros clones de um primata, um chimpanzé que recebeu o nome de Tetra. Ao que tudo indica, estamos em marcha acelerado rumo ao novo e surpreendente mundo dos seres humanos clonados, para fins terapêuticos ou não, mesmo contra a vontade dos governos e religiosos. Onde vai dar, ninguém sabe.

Os macaquinhos ANDi e Tetra

Na área médica, fora o estrepitoso lançamento do primeiro concorrente do Viagra para o tratamento da impotência (chamado Uprima, e que funciona três a quatro vezes mais rápido), a maior novidade a repercutir mundialmente foi a realização da primeira cirurgia robótica completa entre dois continentes. Cirurgiões em Nova Iorque removeram a vesícula biliar de uma mulher de 68 anos que estava em uma sala de operações em Estrasburgo, na França. Braços robóticos, comandados através de uma rede super-rápida de fibras óticas entre os EUA e aquele país permitiram um retardo de apenas 155 milisegundos, o máximo considerado aceitável pelos cirurgiões, para terem a impressão de estarem fazendo a cirurgia videoendoscópia localmente. O sucesso da cirurgia permitirá que no futuro muito próximo, cirurgias complexas poderão ser feitas em locais distantes, com falta de pessoal especializado, ou que sejam difíceis de alcançar em caso de emergências.

Telecirurgia robótica

Finalmente, na área de antropologia, uma descoberta espetacular feita na Etiópia mudou nosso conhecimento sobre a árvore de ancestrais humanos (os hominídeos). Um estudante etíope achou o que provavelmente é o mais antigo fóssil proto-humano até agora, com 5.2 a 5.8 milhões de anos, o Ardipithecus ramidus kadabba. Outra equipe de cientistas franceses tinha anunciado no começo do ano outro provável antecessor humano, com 6 milhões de anos de idade, o Orrorin tugenensis. Os dois grupos imediatamente começaram uma polêmica, tentando desvalorizar a descoberta do outro, dizendo que não era um hominídeo, mas um um ramo extinto dos primatas antropóides. É difícil de dizer quem tem razão, pois a árvore genealógica da espécie humana fica cada vez mais confusa quanto mais novas espécies fósseis são descobertas, pois não se sabe direito onde colocá-las. De qualquer forma, pouco a pouco vamos formando uma imagem mais clara da maravilhosa evolução da nossa espécie.

Ossos fossilizados do Ardipithecus e Orririn

Para Saber Mais

Scientific American: The Top Science Stories of 2001.
Sabbatini, R.M.E.: Odisséia marciana. Correio Popular, 28/10/2001
Sabbatini, R.M.E.: Descobrindo novos planetas. Correio Popular, 8/6/2001.
Sabbatini, R.M.E.: A primeira clonagem humana. Correio Popular, 7/12/2001
Quantum computing with molecules. Scientific American, 1998.
Computing with molecules. Scientific American, 2000.
 

Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 28/12/2001 .

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