"O movimento súbito e catastrófico da crosta terrestre sob a Antártida deslocará uma grande massa de gelo em direção a latitudes mais tropicais. Terremotos gigantescos, a erupção de vulcões, a alteração dramática do clima terrestre, tempestades e maremotos, acompanharão esta mudança geológica sem precedentes na história do planeta. Centenas de milhões de seres humanos perecerão em meio à fúria da natureza. "
Esse cenário dantesco deveria ter ocorrido no dia 5 de maio, segundo a previsão de um "especialista" norte americano, como conseqüência do alinhamento do sol e vários planetas que ocorreu entre os dias 3 e 7 de maio passado. Como o leitor deve ter percebido, nada disso ocorreu: foi apenas mais uma das previsões furadas dos esotéricos e catastrofistas de plantão que tem insistido na tese de que as forças gravitacionais somadas dos planetas à do sol ou da lua poderiam ser o gatilho de amplas transformações como as descritas acima (um trecho tirado de um dos livros sobre o tema).
Isso é pseudociência em estado puro. E o pior é que tem gente que acredita. Essas crenças absurdas e irracionais se espalham mesmo quando a física demostra, através de cálculos matemáticos simples baseados na lei de Newton da gravitação universal, de que a soma do empuxo gravitacional combinado de todos os planetas aumenta a altura da maré no máximo em um centésimo de milímetro (menos do que a espessura de uma folha de papel) e que alinhamento como esses já ocorreram milhões de vezes nos últimos tempos sem qualquer conseqüência como a descrita acima.
Evidentemente as pessoas que fizeram previsões como essa para o dia 5 de maio jamais se retratam publicamente ou sequer se recolhem, envergonhados, reconhecendo as falhas de suas previsões. A imprensa, entretanto, se esbalda e abre amplo espaço para especulações ridículas como essas, muitas vezes sem ouvir o que os cientistas tendem a dizer (não é o caso do Correio Popular e outras publicações sérias) mas mesmo assim acho que o assunto não vale todo o papel e a tinta gastos para divulgá-lo sem contar o fato de que cada um acredita no que quer.
É indubitável que as forças gravitacionais da lua, por ser um corpo celeste tão grande e tão próximo a nós, tenham efeitos sobre a vida terrestre. Especula-se até, com uma boa base cientifica para tal, de que a vida tenha surgido em águas quentes e rasas, constantemente agitadas pelo movimento das marés. A Terra é o único planeta conhecid muito divertido intitulado "Escolha a Sua Catástrofe". Além de fazer gozações com catástrofes naturais improváveis, ele descreve algumas, essas sim, com possibilidade de ocorrer, e que já provocaram catástrofes no passado que quase extinguiram toda a vida na Terra, ou provocaram enormes alterações geofísicas, a mais conhecida e perigosa de todas sendo a possível colisão de um asteróide ou cometa de grande porte contra o planeta, como a que ocorreu há 65 milhões de anos atrás, um evento que provavelmente eliminou 90% das espécies vivas e acabou com a dominância dos grandes répteis, como os dinossauros.
As outras hipóteses descritas por Azimov como a explosão do sol, ou são muito remotas (alguns bilhões de anos à frente) ou são muito improváveis, como uma hipotética alteração do eixo de inclinação da Terra que deve ter ocorrido muito poucas vezes nos últimos 4 bilhões de anos.
Portanto, não é dessa vez que a nossa existência será ameaçada por um fenômeno tão sutil, como o alinhamento dos planetas. Mesmo assim os esotéricos não desistem. Recebi no dia 3 de maio um email de uma dessas pessoas crédulas, afirmando que o tal alinhamento geraria energias puras, luminosas e maravilhosas, que trariam uma oportunidade impar desde os tempos do nascimento de Cristo para a melhoria da raça humana, sua purificação e otimismo sem fim. Para quem acreditou nisso, deve ter até funcionado, pois a sugestão é uma força psicológica considerável. Isso é compreensível, pois, todos nós percebemos que geralmente são as pessoas mais solitárias, infelizes e com problemas sociais que recorrem a essas crenças. A ciência (ou pseudociência) usada como argumento para justificá-las é apenas isso: uma espécie de desculpa ou vergonha em admitir que tudo isso é fantasia da cabeça de alguns. Pode ser que funcione para muitas pessoas e nada tenham contra isso, mas eu acho que a auto-ajuda pode e deve ser baseada em elementos mais racionais sem necessidade de apelar para crença no supernatural.
Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 12/5/2000.
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